Pornografia, prazer e publicidade – os 3 “P” para “EQUÍVOCO”

Bem, nem sei por onde começar e não quero que isto se torne um post que vos faça desistir pelo cansaço…

O Malomil iniciou há pouco uma série de posts com o título PPP – Publicidade Pimba e Parva e já ia no número 11 da última vez que espreitei, aliás com um vídeo bastante simpático.

Eu já andava para aqui a reunir coisas para vos falar do tema, que, infelizmente, me parece bem mais complexo e com mais implicações e ligações do que se possa imaginar. O problema não é só a publicidade – ou – a publicidade não actua sozinha ou por ordem e graça da geração espontânea.

Também o Boas Intenções tinha feito uma série de posts sobre a pornografia mas tinha havido um, em particular, que eu tinha retido na memória.
E estava relacionado com o prazer ou os equívocos com ele relacionados que a pornografia veio trazer.

Tudo junto, tudo misturadinho (e com algumas outras coisas pelo meio), leva-me à vontade de fazer aqui um pequeno apanhado de assuntos a desbravar mais extensamente noutros posts.

A publicidade tem feito um longo percurso na objectificação das mulheres, usando-as e expondo-as, ao seu corpo, à sua sexualidade e à sua beleza, como veículo para a venda de produtos.
Se nos parece antiga a ideia de ter mulheres meio despidas agarradas a produtos em publicidade ou esparramadas em cima de carros em salões-automóvel, assim, sem mais nem porquê, talvez já nem questionemos o seu uso quando aparentemente legitimado pela lógica de muitos copy de anúncios publicitários.

A mensagem é sempre a mesma:
“Buy the product, get the girl; or buy the product to get to be like the girl so you can get your man”
(Wykes and Barrie Gunter, “The Media and Body Image”)

As mulheres passaram a ser um meio que ajuda a vender produtos. Ou se promete a rapariga com o produto ou que se torne como a rapariga do produto, engajando com a ideia de que as mulheres se queiram ver a elas próprias como o fotógrafo vê (ou mostra) a modelo, de forma a que possam tornar-se elas próprias a modelo.

“O sexo vende” é premissa antiga do Marketing – mas que sexo?

Aqui entra o “male gaze”. Ou a contemplação, o olhar masculino – mais concretamente: o Ponto de Vista!

É importante enquadrar o Ponto de Vista numa análise da cultura visual, das pessoas representadas e dos espectadores.
Em primeiro lugar, é preciso perceber quem é observado e quem é que observa, quem é o objecto e quem tem a palavra ou o veículo de transmissão da mensagem.

Em “Visual Pleasure and Narrative Cinema” de Laura Mulvey, 1975, o termo “the male gaze” surge associado ao facto de, na indústria cinematográfica, as mulheres serem geralmente o objecto/foco de atenção e os homens estarem por detrás da câmara e, portanto, ser masculino o ponto de vista, assumindo-se o homem heterossexual como público-alvo da maioria dos filmes.

Embora comecem nos últimos anos a aparecer cada vez mais expressões do ponto de vista feminino (por exemplo esta), durante décadas isso não aconteceu. Nem no cinema nem na publicidade.
A História explicará o domínio masculino não só na cultura cinematográfica mas em qualquer outra área: política, empresarial, laboral, artística, filosófica, etc. – e porque as mulheres continuam tão presas a outras obrigações de que não se libertaram quando ganharam o direito ao trabalho fora de casa (como tomar conta dos filhos, por exemplo, e complementar o trabalho fora com o trabalho doméstico e o apoio à família – julgam que é possível ainda produzir grande pensamento filosófico ou material de expressão artística? Com que tempo? Com que energia?).

E o público-alvo da indústria cinematográfica, bem como o mercado-alvo da publicidade, continuou a ser essencialmente masculino (pouco inteligente, na minha opinião, mas isso sou eu a pensar o que seria chegar – verdadeiramente – às mulheres…)

Num anúncio aqui representado, as mulheres estão “prontas a sacar” de uma máquina dispensadora (daquelas em que basta pôr a moedinha). É publicidade a uma marca que eu não conheço mas podia ser um anúncio da Axe ou da Sapo, com que estamos familiarizados. Ou não?

E os anúncios de cervejas, que o Malomil tão bem mostra na sua recolha são um bom exemplo da publicidade dirigida, conceptualmente, a um publico masculino, no nosso país (e não só).

Mas há mulheres que gostam, poderão dizer! – Lá iremos!*

Antes de falar da pornografia propriamente dita e de como ela está imiscuída no nosso universo, olhemos um pouco para os brinquedos dirigidos a meninas dos últimos anos – muda o mercado-alvo: agora é feminino (já tínhamos feito uma muito breve alusão ao universo masculino e infantil dos Comics/banda desenhada, aqui, lá bem no finzinho do post.)

Conhecem o universo das Bratz? A boneca que veio destronar a Barbie, ela que era já o veículo para a estereotipagem feminina nas mãos das crianças de tenra idade… à beleza manipulada, loira, insuflada nos seios, etc, acrescentou-se uma linguagem visual mais hard-core. A maquilhagem passou a ser carregada e agressiva, assim como as roupas.

Lembram-se das Barriguitas da vossa infância, inocentes “bebés”? Agora são uma espécie de Bratz em versão toddler/primeira infância.
O mesmo se passa com os Pin & Pon.
E podíamos ir por aí fora, com os desenhos-animados das Winx, (fadas adolescentes, mais doces que as Bratz mas ainda assim, muito sexy…), etc, etc.

As Bratz em versão brinquedo.

As Bratz em versão desenho/animação.

As barriguitas de agora

Não vou ilustrar mais com imagens, senão não saímos daqui.

Percebem, não é?
É com isto que as crianças crescem hoje em dia.
Isto e muito mais, claro está.
Com a publicidade e todos os media.
Com as revistas femininas e masculinas que, curiosamente, servem um mesmo propósito.
Com as telenovelas como veículo de actrizes para as capas de revistas como a GQ, ou Playboy, ou FHM ou o que quiserem – mesmo (ou principalmente) as de telenovelas juvenis como os Morangos com Açucar.
Com as apresentadoras de televisão – de programas infantis ou familiares – escolhidas com base em critérios que apenas ilustram aquela que continua – e pelos vistos cada vez mais – a ser a cultura dominante.
Etc, etc, etc.

E com o acesso rápido, generalizado, à pornografia.

E qual é o problema?
Eu já passo a explicar.

Além de toda uma imagem estereotipada da mulher e da beleza feminina (outros posts acerca desta questão e da imagem de si e da imagem para os outros não faltarão, das dietas, das operações plásticas, etc…), a massificação da pornografia, a estandardização dos seus padrões, veio produzir efeitos nefastos a todos os níveis.

Em estúpido: a pornografia leva a mau sexo!!

Porquê? Porque deturpou todas as noções do corpo, principalmente feminino, e do prazer.
Porque se para um homem – falemos de aspectos físicos – uma fricção repetida no orgão sexual masculino, conseguida com a penetração, em variadas posições, é caminho mais ou menos garantido para o prazer sexual, para uma mulher – pasme-se, não!

Quando o Hite Report (estudo sobre a sexualidade feminina) viu a luz do dia, muita gente ficou espantada.
Mas eu diria que após o primeiro imapacto destes dados e da onda feminista, muita coisa se voltou a perder.
E as conquistas do feminismo e a pornografia andaram lado-a-lado nos anos 70, para que, embora ambas tenham ganho bastante terreno, esta última tenha saído vitoriosa.

Eu explico, brevemente:
Assim como se via na publicidade dos anos 50 (outra vez a publicidade, ou como isto anda tudo ligado), às mulheres estava reservado o papel de domésticas, prestadoras de cuidados aos seus maridos e filhos, enfim, à família e à casa.
Com o feminismo, as mulheres conseguiram reclamar mais papeis para si, outros desempenhos na sociedade.
Pouco tempo depois surgiu também o boom na pornografia.
Também as feministas reclamavam liberdade sexual para as mulheres. Mas se umas defendiam que a pornografia ia contra este princípio porque as mulheres não eram verdadeiramente representadas neste domínio e esta indústria servia apenas os interesses masculinos no campo da sexualidade, outras, desejosas de seguir as pegadas masculinas numa sociedade por eles definida, colocaram-se noutra posição.
Por essa altura a Playboy quis associar-se ao espírito feminista libertador. Hugh Hefner acenava às mulheres a possibilidade de levar uma vida muito mais divertida e aventureira do que aquela que teriam em casa, casadas com um só homem.
Estranho é que as coelhinhas da Playboy (o animal não foi escolhido como símbolo por acaso: além de sexualmente activo é dócil…), as meninas que habitavam “a mansão”, não pudessem ser sexualmente emancipadas – estavam ali para servir as fantasias masculinas mas não podiam, elas próprias, dedicar-se ao seu próprio interesse e prazer nem manter relações com namorados…

Enfim, a pornografia continuou (e continua, apesar de algumas iniciativas noutro sentido) a servir os mesmos interesses e pontos de vista de sempre.
O problema é que as imagens foram sendo cada vez mais difundidas e imiscuíram-se de tal forma nos mass media e no mainstream, que as coisas estão cada vez mais difíceis de separar.
Passou a ser normal conviver com imagens que antigamente se resumiam à pornografia.
Os ideais de beleza foram altamente influenciados pela cultura pornográfica.
E a noção de prazer também.
A noção de prazer com que homens e mulheres crescem.
A ideia do que é expectável.

Assim, cada vez mais, para as mulheres, o sexo passou a ser uma experiência “out of the body” (fora do corpo).
A preocupação principal é de corresponder a uma imagem e não de procurar o prazer. Pelo meno não o prazer próprio.
As dicas das revistas femininas para conseguir “sexo fantástico” ou o livros como “How to Make Love Like a Porn Star” promovem o sexo bom? Sexo bom para quem?..

Eu diria que o prazer sexual pode e deve ser valorizado principalmente no campo feminino onde, por estas e por outras práticas, tem sido adulterado.
Mas então é preciso outro tipo de informação.
Procurar o prazer do parceiro pode constituir, por si, motivo de satisfação. Mas não deve ser o único!
Corresponder às expectativas, mas quais?

O sexo – ou pelo menos o sexo gratificante – não deve ser apenas aquele que reproduz mulheres rebolando besuntadas de óleo, mulheres de gatas, gemendo ou gritando de “prazer” em posições que, pela própria anatomia feminina, dificilmente lhes dariam prazer algum!
E se alguns homens pretendem ser, de facto, garanhões do sexo, e gabar-se das suas performances, então, devem procurar escutar, por exemplo, os limites do próprio corpo e das suas companheiras. Saber um pouco mais de anatomia.
Qual a principal fonte de prazer sexual feminino? Como se masturba uma mulher, por exemplo? (Ver Hite Report, se for caso disso.)

Sexo anal? Haverá quem goste. Mas aposto que muita gente sente apenas dor.
E se os homens têm próstata, cuja massagem através da prática do sexo anal, pode induzir em prazer, as mulheres não!
Cada um faça o que quer mas não apenas porque acha que é suposto…

Já não sei onde é que, a cetra altura, vi ou li uma mulher que referia um aspecto engraçado (bem, engraçado dependendo da circunstância…) acerca destas práticas influenciadas pela pornografia objectivamente masculina… mas acho que foi esta senhora (agora não vou ver outra vez), autora também de um site cujas imagens reproduzo mais abaixo, que se destina a fazer compreender que nem tudo (ou quase nada) é real na pornografia.
Ela dizia que quando um homem com quem estava a manter uma relação sexual lhe perguntava, prestes a atingir o clímax sexual, “onde é que queres que me venha?” ela pasmava e dizia: aí dentro, onde é que haveria de ser??!!
Porque, convenhamos, na pornografia os homens ganharam o hábito de regar as parceiras com o seu sémen, aquando da ejaculação…
Se isto é suposto prevenir uma gravidez indesejada, então saibam que tampouco é um método correcto ou seguro…

:)

As ilustrações que se seguem visam corrigir algumas noções erradas acerca do sexo, promovidas pela pornografia.
São todas do Make Love Not Porn.

Do site makelovenotporn.com

Do site makelovenotporn.com

Do site makelovenotporn.com

Do site makelovenotporn.com

Do site makelovenotporn.com

Esta que se segue, não é da mesma fonte.
É só uma paródia que encontrei na net mas tive o cuidado de tornar mais cor-de-rosa, para que se perceba o que é isso de “garganta funda”…

Garganta mesmo, mesmo, mesmo, mesmo funda!

Até à próxima!
Prometo desviar-me um bocadinho da temática para que possamos respirar…

* Quanto ao “mas há mulheres que gostam”, acabei por me alongar mas não desenvolver o tema.
Ficará para a próxima.
Mas digamos que com o crescimento influenciado por todas estas coisas de que aqui falámos um pouco, as mulheres crescem também convencidas de que para obter sucesso e poder é preciso seduzir. E de que a sedução é uma arma para atingir a emancipação e a libertação feminina.
Nada mais errado, pois continuam presas dentro de uma teia que não as serve a elas e, lá está, não lhes traz real prazer.
Mas sobre isso há um livro maravilhoso, embora perturbante, chamado Female Chauvinist Pigs.
Eu comprei-o aqui.
É muito bem escrito e contém muita informação.
E dá-nos a conhecer aspectos particularmente perversos da cultura americana e do estado em que as coisas estão!…

E eu acabo por aqui, que o post já vai longo.

Boas leituras!

Comments
5 Responses to “Pornografia, prazer e publicidade – os 3 “P” para “EQUÍVOCO””
  1. Virgínia diz:

    Aflige-me ver os meus filhos crescer num mundo tão manipulado.
    Por outro lado, começo a ficar cansada de tentar abrir os olhos a pessoas que não querem ver. A cegueira é tanta! E ninguém quer ouvir falar nisto (pelo menos os homens não querem)!

    Não seria o sexo real, como ele é, suficientemente bom para vender? Porque tivemos que chegar a este ponto?

    No outro dia, a fazer zapping, passei pela nova “Gabriela” e não queria acreditar no que estava a ver. Então é assim que andamos a entreter o povo?

    • 30 e picos diz:

      Sim, a Gabriela… ando para falar sobre isso… de facto, é demais, não é?
      Tudo é demais.
      Já não sei bem como se volta atrás num mundo assim.
      Ou como se avança.
      Beijinho!

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