Quantos mitos conseguimos combater, de cada vez?

Gwyneth Paltrow. Fotografia: John Locher/Las Vegas Review-Journal/AP

Gwyneth Paltrow. Fotografia: John Locher/Las Vegas Review-Journal/AP

Isto nem é um post, que eu ando sem disponibilidade para isso. :)

Dei de caras com esta fotografia da Gwyneth Paltrow no meio de uma enchente de artigos sobre o seu divórcio, depois de já ter articulado que, em todas as fotografias que via da mulher, me parecia que ela tinha sempre 20 anos. Mas eis que, afinal, não. E achei que era boa de divulgar e promover.
É bonita, a Gwyneth, e isso ajuda a que nos reconciliemos com esta coisa de envelhecer.

No Facebook temos partilhado, ao longo dos tempos, aquilo que nos parecem ser algumas tendências. E as coisas acabam mesmo por se confirmar. Da revolta dos pêlos púbicos, à ostentação de pêlos nas axilas (aqui, também), temos mostrado de tudo um pouco, sempre que algo, natural como a vida, parece finalmente recuperar o seu lugar no mundo. Mas não deixa de surpreender que haja tantas reacções negativas. Que as mulheres não possam ver um pêlo (como diz o outro, eu já nem falo dos homens), que seja um Ai Jesus, que me caem os parentes na lama.

Não sei onde é que eu até já tinha escrito isto, mas continuo a sentir-me muito estúpida cada vez que perco duas horas a tirar pêlos (e nem gasto dinheiro porque o faço em casa com uma máquina daquelas que os arranca – sim, arranca, que é isso que a máquina de depilação faz; chega de eufemismos). Agora, tal como também já disse, nem me passa pela cabeça embarcar na luta de não o fazer e ser “porta estandarte do desfile de um(a)”. Resta-me esperar que a tendência se assuma como moda, quem sabe…

Tudo isto é muito cansativo e, no outro dia, também a propósito de um desses vídeos que partilhei, a dizer mais do mesmo (sobre a enorme construção que, aparentemente, é preciso fazer para sair à rua: cabelo, maquilhagem, roupa “assim ou assado”, etc.) dizia-me alguém, em mensagem privada:

“Mas para sair à rua assim, só eu, sem armadura, é preciso saber estar vulnerável em frente aos outros (…) enquanto me olham como se fosse uma marginal. Aqui em C. é ridículo. Uma rapariga com cara jovem cheia de cabelos brancos, deve ter algum problema psicológico!.. Gostava muito que este novo movimento acontecesse e não era difícil, bastava que mais e mais mulheres aderissem. Parece um tema tão fútil, mas não é. Como tu bem sabes.”

Ao que eu respondi, concordando, e acrescentando:

” Acho que estamos num momento crítico e antagónico. Por um lado as pessoas têm cada vez mais consciência do que se passa e reclamam os seus direitos. E nisso, a internet e redes sociais têm tido um papel poderoso. Por outro lado, parece que isto nunca esteve tão exagerado, tão no extremo. Também por culpa da internet e da proliferação de imagens de sedução, de pornografia, etc. Mas também pelo aproveitamento que muitas mulheres fazem dessas mesmas formas de seduzir e agradar. Mesmo aquelas que são tidas como poderosas e que introduzem um discurso “feminista” de “girl power”. Claro que a pessoa questiona: que poder? Poder de quem? Poder sobre as outras? Poder imediato de sedução. De agradar a quem detém realmente o poder de escolha e decisão. Enfim, prejudicial, num segundo plano, para todas. Porque obriga todas, e a elas próprias, a estar constantemente nesse jogo. E voltamos ao princípio: é muito cansativo. E injusto.”

Já falámos disto tudo. E como dizia a Lena Dunham, numa conversa com a Mindy Kaling, para a Rookie,

“I often feel guilty pointing out behavior in other women that I don’t support. Like somehow, the moment I was pulled from my mother’s severed stomach, a pen was placed in my tiny balled fist and I signed a binding document that says “I got all your backs, ladies.” And the thing is, I do support women, but part of that is being clear about what behaviors aren’t helping the bigger cause [of feminism].”

Mas já me estou a alongar, e a desviar da pouca coisa que queria dizer (e metade das pessoas já deve ter fechado o separador ou a janelinha).

Estava na Gwyneth Paltrow e nas tendências que temos partilhado no FB.
Uma delas, tem a ver com a utilização de mulheres mais velhas como modelos, em campanhas publicitárias.

Até a American Apparel, depois de anos e anos a alimentar a estética porno (com inúmeras críticas no que diz respeito à objectificação da mulher, etc, etc), resolveu adoptar uma postura comercial mais “Dove”… Acredito que não por bom-samaritanismo, mas porque assim lhes ditam as regras de marketing e, lá está, as tendências de consumo.

E não faltam exemplos disto: a Charlotte Rampling, aos 68 anos, a dar a cara pela NARS e Jessica Lang, aos 64, na campanha Marc Jacobs. Também Diane Keaton, de 68, com a  L’Oreal e  Lauren Hutton, de 70, para a Lucky Brand.
Com mais retoque, da cirurgia ou do photoshop, ou menos retoque, elas estão aí.

Jessica Lang para Marc Jacobs.

Jessica Lang para Marc Jacobs.

Charlotte Rampling

Charlotte Rampling

Há um sem número de manifestações de mulheres mais velhas (muito mais do que vinha sendo costume, nas últimas décadas), presentes nos media, que vão surgindo por todo o lado. [Falamos de mulheres porque os homens mais velhos sempre estiveram presentes. No poder, nos media, em toda a parte. E é bem sabido o chaaarme que é suposto transmitir um homem mais velho, ao invés da fealdade, fragilidade ou qualquer outra característica depreciativa que acompanha a leitura do envelhecimento feminino.]
Seja porque se trata de uma geração muito particular, dos babyboomers, das mulheres que lutaram pelo feminismo, que tiveram acesso a educação superior, que exerceram profissões; e/ou porque são letradas e independentes e dominam também elas as novas tecnologias e os meios de comunicação, bem como as redes sociais. E porque, pouco a pouco, vão ocupando alguns lugares de decisão* e criação**.

E, assim, também pouco a pouco (sempre pouco a pouco), lá nos vamos todos (adultos e crianças, homens e mulheres, etc., para ser correcta) reconciliando com a realidade.
Com a presença (e a existência!) de corpos normais na televisão, com a Lena Dunham e séries como Girls; com a presença de pêlos no corpo de mamíferos como os humanos; com a expressão de vida, opinião e graça de mulheres mais velhas. E até de expressão sexual***.

No entanto, lá está, esta mulheres “mais velhas” serão representativas da generalidade das mulheres “mais velhas”? Não serão elas demasiado “bonitas”?
(O que é o belo, já sei, já sei…  Mas objectivamente…)

Escolhidas a dedo, pois claro. Que mais não seja porque são campanhas a produtos de beleza. Ou “porque há sempre um lado aspiracional” nas campanhas publicitárias, seja do que for.
Então, as mulheres continuarão, por imposição de quê e de quem, senão de tudo, a aspirar, simplesmente, ser bonitas****?

Podemos ir combatendo os mitos um a um, mas nunca todos de uma vez.

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Sugestões (que isto anda tudo ligado), se ainda não viram:

ISSUU, uma revista para “Girls who ride”. Boa, pelo ponto de vista que foge ao “male gaze” do costume. Pelo menos neste número. As mulheres existem para lá do desejo que provoquem. Bonitas e sexy e tudo. Porque são.

Uma rapariga de 18 anos achou que os soutiens para miúdas estavam hiper-sexualizados e criou uma marca nova, a pensar na irmã. :)

A malta do Centro Comunitário da Gafanha do Carmo diverte-se a desmontar estereótipos. Os da juventude e da sensualidade, por exemplo.

No Brasil (e não só no Brasil, atenção!) há quem ache que as mamas são boas para mostrar no Carnaval e exaltar o espectador masculino, mas lá para amamentar em público… ’tá quieto!

Uma das n celebrações dos 80 anos da Gloria Steinem.

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* ver: Shirley MacLaine em 1975, ou a história do “male gaze” explicada de forma muito simples, em 10 frames.

** por exemplo, a expressão de pontos de vista: Lost in Living. Já vos falei tanto nisto…

*** o artigo que vos sugeri no último post: “Libidos, vibrators and men, oh my! This is what your ageing sex drive looks like.
Gloria Steinem’s 80th birthday declaration: a dwindling libido makes a woman’s mind ‘free for all kinds of great things’. Here are all those great things, from women of every decade – including, but not limited to, super-charged sex.”

**** A campanha publicitária de uma marca de roupa que decidiu usar, como modelos, mulheres doutoradas, pós-doutoradas, em engenharia nuclear, química, etc.

A bela Sophia Loren, basta pesquisarem um bocadinho e verão, não tinha complexos relacionados com os pêlos nas axilas.

Para ilustrar a questão dos pêlos, sem a Madonna: A bela Sophia Loren – basta pesquisarem um bocadinho e verão – não tinha complexos relacionados com os pêlos nas axilas.

Mas, se preferirem uma babe mais actual, têm aqui a Charlotte Free.

Mas, se preferirem uma babe mais actual, têm aqui a Charlotte Free.

Comments
6 Responses to “Quantos mitos conseguimos combater, de cada vez?”
  1. Estava a ler e a pensar que devias vir para Berlim, onde uma mulher pode sair à rua em pijama, vestida às três pancadas, ou toda arranjada, e tudo está bem. Há espaço para todos.
    Mas depois lembrei-me que as ruas de Roma ou de Washington DC são mais bonitas, porque lá as mulheres se arranjam bem quando saem. Será assim tão errado vermo-nos como participantes activas na construção da paisagem urbana? Tanto mais que os homens fazem o mesmo, e cada vez mais.
    E já que estamos a falar de depilação: há dias um pediatra contou-me que há muitos rapazinhos adolescentes que fazem depilação da região genital. Os homens começam a ser também vítimas deste mundo demasiado subjugado a determinados valores estéticos.
    Na mesma conversa, uma ginecologista contou que há miúdas adolescentes que vão ao seu consultório perguntar como é para fazer operações estéticas à vulva (porque é grande, ou pequena, ou assimétrica – sei lá).
    Está tudo maluco.

  2. Ceridwen diz:

    Adoro a Jessica Lang, mas sinceramente, acho que ver uma mulher de 64 anos ser representada como se tivesse 50 (no máximo) é tão nefasto quanto ver apenas jovens até 23 anos a representarem um modelo hegemónico de beleza: jovem, branca, magra (…). Aproveitando a deixa da Helena no que se refere à questão da cirurgia genital: há tempos saiu um artigo no guardian que culpava a pornografia (que, aparentemente será responsável por uniformizar a genitália) – fui procurá-lo – http://www.theguardian.com/lifeandstyle/2011/feb/27/labiaplasty-surgery-labia-vagina-pornography e agora outro: http://www.theguardian.com/commentisfree/2013/nov/15/pornography-culprit-rise-labiaplasty

    No que respeita à pressão que atinge também os homens (na sua aparência) – o capitalismo já percebeu que tem um largo mercado para explorar – mas devo lembrar que os homens não são julgados pela sua aparência da mesma maneira que as mulheres: «o homem tem um corpo, a mulher é o corpo).
    (em todo o caso – está em último, mas não é o menos importante – adorei o post e adoro o blogue). (e peço desculpa ser tão opinativa logo na primeira vez que deixo aqui um comentário).

  3. Há coisas que escreves com as quais concordo e outras não. A questão dos pelos, por exemplo, acho realmente feio e não é porque a sociedade me impôs que essa imagem é feia. Apenas não gosto. Tal como não gosto de sair à rua desarranjada, de pijama etc. Mas sou EU que não gosto. Não tem a ver com as construções sociais a que estamos sujeitas. Não olho de lado para uma mulher que esteja “desarranjada”. Mas concordo que existe o excesso da sexualização da mulher, que a sociedade nos impõe parâmetros para que sejamos perfeitas e sem falhas. Dou-te o exemplo, eu, que visto o 42 (tenho 1,70m), não consigo muitas vezes encontrar números que me sirvam nas ditas lojas “normais”, como Mango etc. Pergunto-me se o problema será meu.

  4. São João diz:

    Se calhar já é vício meu de ver coisas onde elas não estão, mas quando vi que tinham escolhido essa foto da Gwyneth para “ilustrar” o divórcio fiquei a pensar se não seria propositada e pouco inocente a mudança de paradigma, se as fotos de mulher jovem/mulher feliz não deram lugar à foto de mulher divorciada/mulher envelhecida como mais uma marca da importância da felicidade conjugal na qualificação da imagem de uma mulher. Ela é linda de qualquer maneira, mas o que não vai faltar é gente estúpida a dizer “divorciou-se e agora está um caco”. Mas se calhar sou eu já em overthinking. Beijos, beijos, beijos.

  5. É um post sim senhora e daqueles muito bons. Posso não concorda com vários pontos, que não concordo, mas li muito atentamente e gosto de pessoas que dizem tudo o que lhes vai na alma.

  6. Mila diz:

    Adorei cada frase

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