Girl Power – talvez não seja bem o que estão a pensar.

 

A conversa é recorrente. Desta vez começou quando eu postei, há bocado, no FB:

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“E tal”, “que dá”, “dá pois”, “então não dá” (um poder do caraças, a depilação)?

Se me conhecem ou acompanham há mais de dois dias, sabem que já mencionei isto n vezes (aqui, no FB, noutros blogues, há anos. É um suplício.) e que cada vez que faço a depilação me sinto particularmente estúpida.

Sobre a questão do poder, associado à atracção sexual, também já falámos muito(ver aqui e aqui, por exemplo).

Não confundamos o Mein Kampf com o My Humps.

Girl Power? Man Power? O Poder do Pão de Ló?
Eu não sei se o poder se divide em géneros.

Por muito que se queira pender para a subjectividade, o poder ou se tem, ou não se tem. É objectivo. E é medido pela “escala de influência”, pelo impacto, analisando até que grau as acções de uma pessoa podem influenciar a vida de outras.

Poder de sedução? O dom de agradar a quem tem realmente o poder: de escolha, de decisão. A capacidade de agradar e influenciar até ser trocada(o) por outra “poderosa(o)” qualquer?
Ter poder é ter que corresponder sempre a um estereótipo que se ajudou a criar? (A propósito, leiam este artigo até ao fim. Parece mais do mesmo, mas eu acho, ainda, muito surpreendente. E podemos jogar ao “adivinha quem é que manipulou digitalmente as imagens de uma festa em casa, descontraída”?)

Como falámos, ali e ali, a Beyoncé, por exemplo (mas também outras/os), pode influenciar a imagem e o comportamento de milhares, milhões, de pessoas (como ser ou o que esperar que sejam). Esse poder, sim, os mediáticos têm; e, com isso, a responsabilidade acrescida. Para mim é inadmissível que se apregoe o feminismo enquanto se perpetuam os clichés, a ideia de que é necessário e desejável estar pintado da cabeça aos pés, de cuecas, de gatas, agarrada ao varão (veja-se a Jennifer Lopez, supostamente, a mostrar que “pode” e “manda”), com mamas postas, lábios postos, cabelo falso, pestanas falsas, pele esticada, nariz trocado, saltos altos, decotes cavados, etc. Independentemente de, simultaneamente, se defender o direito das mulheres ao voto.

 

Beyoncé, cheia de poder.

Beyoncé, cheia de poder.

Ter poder é poder ser gordo, barrigudo, não tomar banho, e ter toda a gente a querer agradar-lhe na mesma, casar consigo, a arrancar os pêlos por sua causa e a injectar silicone nos peitorais.

Ter poder é vestir o mesmo fato todos os dias, durante um ano, enquanto se apresenta um programa de televisão, sem que alguém repare, enquanto a colega que muda de roupa todos os dias é sistematicamente julgada pela aparência.

Ter poder é ter a publicidade a querer agradar-lhe a si e não fazendo uso do seu corpo. É ter os filmes a expressar o seu ponto de vista e não as suas mamas, a música a revelar mais que o seu rabo.
É nem ter que falar nisto.

É ser político, influente, estar nos cargos de decisão e ninguém se lembrar de o criticar pelo aspecto, mas pelos actos (inter pares, se for o caso).

Ter poder é ser Secretária de Estado dos EUA, aos 64 anos, e não usar maquilhagem, mesmo que caia o Carmo, a Trindade, e o Senado. (Mais Hillary Clinton sobre esse tema aqui e aqui, ou é só procurar.)

 

Hillary Clinton recusa depilar as pernas e não usa maquilhagem: é porque está à beira do ataque de nervos com um presumível divórcio, claro.

Hillary Clinton recusa depilar as pernas e não usa maquilhagem: é porque está à beira do ataque de nervos com um presumível divórcio, claro.

 

Isabel dos Santos muito preocupada com as tendências.

Isabel dos Santos, muito preocupada com as tendências.

E, se dinheiro é poder, porque é, a Isabel dos Santos também parece ter mais que fazer do que andar à procura do booty ideal.

A Merkel, sistematicamente chamada, por cá, de “gorda”, provavelmente menos “gorda” que a maioria dos seus pares, é gorda? Olha ela aqui, tão ralada:

 

Oh, que chatice.

Oh, que chatice.

 

PS – Aproveito para deixar aqui, de fugida um par de sugestões.

Vejam, ou mostrem a filhos e filhas adolescentes, a saga Hunger Games (ainda não vi o terceiro, que está no cinema). Não é que sejam filmes do outro mundo, mas é interessante notar como resistem à sexualização das personagens e como a protagonista permanece vestida, sendo, no entanto, a heroína da trilogia, vencendo batalhas e, se precisarem muito, sendo sexy q.b.

 

E leiam/espreitem o The Lost Daughter, da escritora-sensação Elena Ferrante, cuja verdadeira identidade não se conhece. Ainda não li os outros livros, mas o tema deste interessou-me particularmente. E não desilude. Ela escreve bem e diz coisas geralmente indizíveis (talvez por isso o anonimato), num tema delicado como o da maternidade, associado ao da realização pessoal. Se havia vozes que faziam o mesmo, sobre outros temas (a sexualidade, ok), de um ponto de vista intrinsecamente masculino (o Houellebecq, por exemplo, ou o Roth) agora há-o também no feminino, nem que seja preciso não revelar a identidade (talvez seja demasiado confessional e pouco ficcional). Quiça, surgirá assim um movimento literário.

 

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  1. […] A propósito das revistas de moda, o tempo – e o dinheiro – que se perde (enfim, o poder), a arranjar cabelos (pintá-los, penteá-los, cortá-los, aumentá-los), unhas, a tirar pêlos, a […]



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