Girls – Breve apontamento, que isto dava pano para mangas…


Hannah é a personagem principal da série, encarnada pela multi-talentosa Lena Dunham que também criou, escreveu, realizou e produziu a mesma.
Já poderão ter reparado os mais atentos (ou ligados a determinados meios) que anda por aí uma série, na televisão americana, chamada GIRLS.
Terminada a exibição da primeira temporada de episódios, a equipa encontra-se em produção da segunda, a estrear em Janeiro, salvo erro (na HBO americana).
Por cá julgo que há um canal de séries que já começou a transmitir os episódios mas, por favor, pesquisem por mim.
Em todo caso, há sempre maneira de a ver. Eu vi.
Vi e devorei cada episódio, saudando a reunião proveitosa de Judd Apatow com Lena Dunham que, para mim, pelo que tentarei explicar-vos, entrou já e logo na categoria de heroína ou, pelo menos, de pessoa muito talentosa, brilhante e absolutamente revolucionária. Adoro-a. (Poderão espreitar também o filme Tiny Furniture, que é uma espécie de prólogo para GIRLS).
Sendo uma série focada essencialmente na vida de 4 amigas, jovens adultas, não se iludam que é completamente inovadora.
A grande coisa (novidade) com GIRLS, ao contrário do que se passava em O Sexo e a Cidade é que estas miúdas não estão tão interessadas em perceber o que é que os homens desejam mas sim em saber o que é que elas próprias querem (tanto a nível sexual como da própria vida, num sentido mais lato).
E se por vezes ainda se sentem presas a estereótipos desta nossa cultura (nossa, também, no sentido lato), isso acontece muito pouco, comparado com aquilo a que estamos habituados e é passado como “normal”, e é geralmente acompanhado de reflexão.
Por isso a estranheza, o desconforto, quando, por exemplo, logo no primeiro episódio (e julgo que logo na primeira cena, mas não vou agora verificar), Hannah é chamada a dar corpo às fantasias (sexuais) de Adam, que, a ela, não trazem prazer nenhum.
E é também interessante e inovador (em produtos de massmedia) quando, episódios mais tarde, Hannah se queixa das suas frustrações a Adam, no que à relação deles diz respeito e ele lhe diz que ela tem que falar/comunicar, tem que dizer-lhe o que pensa e deseja porque ele pode não supor ou adivinhar. No caso, se ela quer um namorado e não apenas um relacionamento esporádico e sem compromisso, que é o que mantêm (para grande frustração dela, enchendo-a de insatisfação, receios, etc., que ao princípio tenta disfarçar para ser cool), ela que diga. E (também no caso e surpreendentemente) ele corresponde.
Tão simples como isso!
E eu diria que há aqui muitas noções importantes e boas mensagens a passar.
Mais: A série contraria o estereótipo da beleza instituída e massivamente promovida pela televisão (e todos os massmedia). Hannah é uma miúda cujo aspecto não condiz com o que normalmente vemos nas séries (americanas e não só) sobre – ou com – raparigas (girls). A personagem, encarnada/ representada por Lena Dunham que é, simultaneamente, criadora, escritora, realizadora, produtora e actriz na série, expõe-se a nu, no sentido literal, sem grandes pudores ou encenações, dando conta da realidade dos corpos. Da realidade dos corpos saudáveis.
E além de Hannah temos as outras personagens, cada uma a seu estilo, no que ao aspecto diz respeito mas também no que toca à abordagem à vida em toda a sua complexidade e variáveis: amor, sexualidade, trabalho, realização, interesses, etc.
Isso acontecia em O Sexo e a Cidade, só até determinado ponto: cada mulher era uma personificação diferente. Mas aqui vai-se mais além na afirmação de uma existência individual para além da moda, do aspecto e do próprio sexo ou do desejo de agradar.
Aqui procura-se (com a devida limitação de meia-hora de duração por episódio e naquilo que é vendido, ainda assim, como uma comédia) a realização pessoal através de todos os meios – no que já facilita em muito o alcance da auto-estima.
Embora elas pareçam (e estejam) perdidas ou “à procura”, já fizeram, acreditem, meio caminho.
Parece-me, a mim, fantástico que estas raparigas (e Lena Dunham, fora de personagem, ela própria) tenham vinte e poucos anos e já tenham chegado aqui.
A maior parte das pessoas da nossa geração levou mais tempo, se é que já fez esse processo.
E muitas outras miúdas de 20 e qualquer coisa, que eu conheço, ainda estão no ponto onde eu própria estava (e quase toda a gente – do sexo feminino – de que me lembro) naquela idade: a necessidade de agradar como forma de afirmação/validação pessoal, o cumprir com requisitos externos para uma suposta emancipação sexual, a articulação desta ou daquela habilidade ou pirueta para corresponder ao que vemos nos filmes (ou na tv, ou nas revistas, ou na net, ou em toda a parte), a procura de poder e afirmação pela capacidade de sedução, etc.
Caramba, nada mais enganador. Só quando uma pessoa se consegue marimbar para isso tudo, seja por excesso e/ou frustração, seja por sofrimento ou autoconsciência, é que entra finalmente no rumo do auto-conhecimento e passa a ter como objectivo ou interesse o prazer (próprio), a satisfação (própria), a expressão de si, enfim, algo que contribua para sua felicidade.
Ainda outro aspecto a salientar: estando longe do retrato hiper-glamourizado de raparigas (veja-se Gossip Girl, por exemplo), a série incide sobre a precariedade de uma geração (ou duas, que pelo menos em Portugal isto estende-se também à minha), a impermanência num local de trabalho (se é que se consegue trabalho), a dificuldade acrescentada se se tratar de uma área criativa, e a realização pessoal ao nível das experiências laborais.
Quando elas (Hannah em particular) parecem pairar sobre a própria vida, não sabendo que decisões tomar, elas são também o retrato das gerações pós-babyboomers, que cresceram num ambiente propício à expressão individual e que agora não têm as garantias de sucesso que lhes prometeram pais, educadores e todo um sistema social, económico e político.
A série é mais realista do que se possa pensar.
Agora convido-vos a ver, só por graça e para melhor compreenderem de que falo quando falo de estereótipos e de contrariá-los, esta pequena demonstração de geração espontânea…
Enquanto procurava imagens da série, pesquisei por “Girls” no google e a primeira página de resultados deu-me isto:
Quando alguém procura “girls” (raparigas) no google encontra estas imagens muito representativas.
Tremo só de pensar o que a minha filha encontra quando pesquisa “meninas”.
Especificando que procurava “Girls tv Show” já encontrei isto:
Já é um bocadinho diferente, não?
Mas agora pesquisemos por “real girls” (raparigas a sério, ou raparigas “de verdade”):
Interessante, não é? Raparigas a sério são representações pornográficas da girl next door. Procura-se e oferece-se a excitação na visualização de imagens pornográficas feitas com raparigas a sério. Embora muitas vezes o “real” já seja construido a partir de um ideal injectado de silicone, botox, ou qualquer coisa do género.
Ainda uma pesquisa por Gossip Girl, outra série com raparigas.
Nota-se alguma diferença relativamente à série “GIRLS”, numa primeira abordagem, não?
Vejam lá:
E pronto, foi só um apontamento para refrescar a memória e a consciência.
Agora refresquemos a vista, com Hannah, Adam e Shoshanna, por exemplo. Gente normal. E esperta. :)
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[…] comecem nos últimos anos a aparecer cada vez mais expressões do ponto de vista feminino (por exemplo esta), durante décadas isso não aconteceu. Nem no cinema nem na publicidade. A História explicará o […]
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[…] Se não sabem quem é, vejam aqui. […]
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[…] em séries, bem sabem, a minha escolha vai toda para a Girls (não que tenha visto muito mais, mas pelo que já vos disse aqui). Já existe em DVD e parece que […]
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[…] de Melhor Actriz de Comédia ou Musical (TV) e o de Melhor série de TV nas mesmas categorias, com GIRLS, série de que é autora, realizadora, produtora, para além de vestir a pele de Hannah Horvath, a […]
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[…] outro lado, a série Girls regressa em Janeiro aos […]
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[…] de uma sexualidade feminina”. São coisas completamente diferentes. Por exemplo, a série GIRLS, de que já vos falei, é, para mim, uma “afirmação da sexualidade feminina”, de um ponto de vista e de […]
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[…] a presença (e a existência!) de corpos normais na televisão, com a Lena Dunham e séries como Girls; com a presença de pelos no corpo de mamíferos como os humanos; com a expressão de vida, […]
Queria imenso ver essa série, mas preferia na TV: quando será que dá em Portugal?
A certa altura li que um canal, por cabo, de séries, já tinha começado a dar. Mas não sei ao certo qual.
Vão lançar o dvd nos USA…
Eu gostei muito de ver mesmo sem ser na tv… :)
A melhor review da série que li até agora! Diz tudo o que eu não consegui ainda pôr em palavras.
:D obrigada! :)
dá no canal tvcine series, ou lá como é que se chama!
Ok Mary John, obrigada! :)