FQA – I shall say this only once

“I shall say this only once” porque se tivesse disponibilidade para isto, escrevia mais no blog. Não me levem a mal.
O post da Beyoncé, originou uma série de reacções, entre as quais uma série de perguntas e questões deixadas no ar. Algumas aqui, outras na página do FB do 30 e Picos, outras na minha página pessoal, etc. Para simplificar e não me repetir ou gerir as respostas nos diversos suportes, recolho algumas dessas questões e tento responder-lhes aqui.
<<“Nem tanto ao mar nem tanto à terra!”
Tb me faz impressão esta banalização do sexo, mas o sexo vende e sempre irá vender… Já Eça de Queiroz faz este tipo de referência ao descrever a decadência da sociedade nos cartazes publicitários com mulheres semi-nuas! E apesar da mulher ser mais utilizada, o homem tb o é. A questão é que a mulher é retratada quase sempre como uma oferta, um convite, o homem é retratado como herói e conquistador. A sociedade é injusta e exigente tanto para os homens como para as mulheres.
Às vezes penso que as feministas optam por um discurso perigoso e contraditório, é natural que depois deixe muitas miúdas de cabeça confusa! Por um lado incentivam a mulher a não ter medo e a demonstrar a sua sexualidade como bem entende, mas quando alguma tem um comportamento mais provocante é chamada de “puta” (tanto pelas feministas como pelos machistas)! Em que é que ficámos? Será que não podemos ser “putas” se assim o queremos?
Depois há também aquelas que confundem emancipação sexual com promiscuidade… porque os homens são promiscuos e a igualdade passa por sermos como os homens(?)! A mulher caí no erro de procurar a igualdade tentando ser como o homem! Porque as qualidade masculinas é que são valorizadas!… Estás a compreender onde quero chegar?
Não há volta a dar, por mais feministas e liberais que nos apelidemos fomos educadas numa cultura machista, conservadora e isso irá sempre prevalecer no nosso subconsciente…
Não podemos tentar mudar a imagem das mulheres se não mudarmos também a imagem dos homens!…>> (diz a MJS)
<<MJS ainda estes dias comentava isso com o J, há uns anos as feministas queimavam soutiens, agora querem tapar mamas… e com isto não estou a defender essas estrelas pop, acho que até deviam aparecer nuas integral, é que estão a tornar-se tão ridiculas que pouco falta para ninguém as levar a sério… e no fundo é só show-bizz, é para levar a sério? Pão e circo…>> (diz a ISS)
É showbusiness, é espectáculo, é entretenimento; Tem que ser assim?
Há quem esteja confortável com isso. Óptimo, que se sente e assista.
Eu não estou, não acho bem. Por isso escrevo o que quero, nos meus blogues.
Sempre foi assim ?
Também os sete pecados capitais devem ser bíblicos, e a prostituição é tida como a primeira profissão do mundo. Ao extremo: o assassinato também deve existir desde o ínicio dos tempos.
Fora isso, depois, vieram séculos e séculos (não vou aos milhares de anos) de hábitos com os quais eu não tenho que estar necessariamente de acordo.
Mas lá está, se me incomoda, digo. E posso até cansar-me de o fazer. Às vezes canso.
MJS: <<Será que não podemos ser “putas” se assim o queremos>>?
Podemos. (O querer, o poder, o dever, são coisas diferentes, nem sempre conjugáveis. Nem tudo o que queremos, devemos. Nem tudo o que podemos, queremos. Etc. Mas neste caso: se queremos, podemos. Se devemos, não me cabe a mim julgar.)
Queimar sutiãs é uma coisa, no contexto em que foi, com a intenção clara que teve; usá-los ou não os usar como meros objectos de sedução, é outra.
Vejamos as imagens, meramente ilustrativas:

Beyoncé, sem soutien/sutiã na capa da GQ. Foi um dos aspectos mais salientados: as mamas a espreitar sem soutien. É revolucionário?

De novo Beyoncé, sem soutien, com elementos de vestuário alusivos à “revolta”, aos confrontos que se têm feito sentir um pouco pelo mundo. Como dizia um post que linkei no meu post sobre a Beyoncé: ela apela a que revolta? Não bate a bota com a perdigota.
“Female Chauvinist Pigs”* (livro que já vos recomendei várias vezes, inclusive no Natal passado, e que explica o mesmo conceito que este texto que vos recomendei vivamente no post anterior) versus “Afirmação de uma sexualidade feminina”. São coisas completamente diferentes.
Por exemplo, a série GIRLS, de que já vos falei, é, para mim, uma “afirmação da sexualidade feminina”, de um ponto de vista e de questionamento (nomeadamente sobre todas estas temas culturais, sexuais, etc.) feminino.
A Beyoncé, a Rihanna, etc., cruzam a Pop com a cultura HipHop (do Jay-Z, marido da Beyoncé, por exemplo – diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és? Vejam bem o currículo, mesmo em relação às práticas…), por tradição machista (não quer dizer que não surja ou não tenha surgido uma linguagem nova com a mesma roupagem): apregoa a submissão da mulher, os maus tratos, etc., o poder masculino, muitas vezes com recurso ao dinheiro e ao crime, alusão a consumos/tráfico de droga/mulheres, prostituição, etc.
Volto a chamar a atenção para o texto que vos recomendei no post anterior, que fala disto.
*Um exemplo em abstracto e em exagero:
Imaginem uma comunidade de mulheres escravas em que uma delas sobressai por fazer uso do seu poder de sedução.
Útil para si, de imediato, para obter favores ou um “poder” dependente dessa capacidade, mas, no fundo, uma submissão, a quem detém o poder de decisão, e, neste caso, até sobre a sua liberdade e das outras.
Serve-lhe enquanto serve. Enquanto as outras não competirem pelo mesmo, e assim o farão, da mesma forma.
Não liberta ninguém, não serve a todas, não serve a si, na realidade.
Apenas joga o jogo, não o controla, não o combate. (Voltamos à Gloria Steinem.)
É também disso que fala o texto que já linkei duzentas vezes.
Ainda sobre sexualidade e ponto de vista (masculino e feminino), “ser ou parecer”, ser ou querer corresponder a uma imagem, uma curiosidade: Michelle Jenneke, atleta australiana dos 100m barreiras (acho), chamou a atenção para si, para a sua graça e sensualidade, não só por ganhar a prova mas também pela “dança sexy” que fazia no aquecimento. Neste vídeo podem vê-la, graciosa e radiante. Ora, daqui, foi direitinha para a capa da Sports Illustrated, em bikini. Um vídeo é uma coisa, o outro é outra coisa. Não?
<<Quem é a Beyoncé?… no meu mundo passa magistralmente despercebida, mas noutros parece que não e aqui aplica-se a máxima da Sarah Bernhardt – não me importo que falem mal de mim, desde que falem de mim. Mas absolutamente fantástico é o videozinho das advogadas, as gargalhadas que já soaram cá por casa, obrigada por esse tesourinho!! >> (diz também a ISS)
“Quem é a Beyoncé?” Depreendo que haja ironia na pergunta mas, independentemente dos gostos (porque não é cantora que esteja nas minhas playlists), a Beyoncé, entre outras, é um ícone mundial, uma das “rainhas” da cultura pop, uma das “100 pessoas mais influentes do mundo”, segundo a revista TIME (de que o marido foi capa, ilustrando o ranking), ídolo de muitas miúdas e miúdos. Elas pretendem ser aquilo, eles pretendem ter aquilo. Está mais que estudado e sabido, não vou perder mais tempo com isso. Goste-se ou não, existe, tem um impacto brutal na formação de cultura e, a meu ver, no reforço da cultura dominante com a qual não me identifico e acho perniciosa.
<<Exacto.
Não percebo nada do que anda a fazer um certo ramo da industria discografica. Não percebo, sequer, como é que isto vende, tal não é o mesmo alheamento deste mundo.
Mas …
http://femen.org/fr
Baralham-me. (…)
Baralham-me. Ja estive para ir a um dos encontros que na altura promoveram, aqui em Paris, para perceber bem o que se passa.
Baralham-me.>> (diz a CRS)
É um pouco contraditório, mostrar as mamas para combater a exploração do corpo feminino. Não estou muito certa dos meios ou dos resultados. (Como na questão que se segue da Lily Allen.)
Mas julgo que está tudo na atitude, na intenção. No uso que se faz das mamas, no que se pretende delas. Porque elas existem. Não como mero objecto de adoração ou exaltação masculina, não é? (Ver questão dos soutiens/sutiãs, ilustrada acima, e ainda a resposta abaixo.)
<<Gostei muito do artigo da Gloria Steinem. A frase dela resume muito bem toda esta polémica “I think that we need to change the culture, not blame the people that are playing the only game that exists.” A hipersexualização feminina vende e de que maneira. Esta gente do showbiz está toda a tentar lucrar com a coisa. Está muito longe de ser moralmente correto. Não sei se uma única pessoa conseguiria mudar isto tudo (parece que se passou a uma corrida sobre quem consegue ser a mais polemicamente sensual) mas se há pessoa que poderia estar perto, se quisesse, e porque alcançou o estatuto muito raro de trend-setter, seria a Beyoncé. Pena que o interesse não esteja aí.
Btw, não sei se já viste o vídeo da Lily Allen “Hard Out There”? Foi bastante aplaudido por algumas feministas devido à sátira da letra. Mas eu tenho muita dificuldade em aceitar que a sátira seja feita através do conluio com a coisa que se está a criticar… O vídeo nisso é um bocado contraditório. Estou curiosa sobre o que acharás.>> (diz a DS)
Em relação ao vídeo da Lily Allen, “Hard Out There”, sim, já o tinha visto e também achei um pouco contraditório. Na altura também não me pronunciei porque achei que precisava de fazer uma análise mais cuidada para ter uma opinião mais fundamentada (tal como aconteceu com a questão da Beyoncé). Mas ainda não será agora. De imediato, numa primeira abordagem, os mesmos ingredientes estão todos lá e isso choca. Mas parece-me – PARECE-ME, ainda não estudei o assunto com afinco! :) – que há uma postura bastante irónica em relação ao assunto e o uso das mesmas armas parece-me servir para reforçar a contestação a uma ideia, exaltando-a, mostrando-a. E há também o facto de ela responder verbalmente, e citando, a insultos que lhe fizeram, como “Lily Allen has a baggy pussy”. Será a melhor maneira de combater o estigma? Não sei. De responder às ofensas? Acho que sim. :)
Para terminar, partilharam-me a gora mesmo isto no FB: “Flawless: 5 Lessons in Modern Feminism From Beyoncé”. Para responder, estar-me-ia a repetir. A resposta, e o que penso, está no post que originou este, por exemplo, e neste outro sobre a cena musical, entre outros.
Mas, citando o finalzinho do artigo em questão: “Maybe I’m giving her too much credit, and it’s just hypocritical when she sarcastically sings, “I just woke up like this” with her perfectly manicured outfit and makeup”. Maybe.
E quanto ao “she wants us to think that you can be both sexy and a feminist. (Feminists like sex too, remember?)”, claro que remember! :) Acho que também já respondi a isso. Acho que há carradas de mulheres feministas, sexy, que gostam de sexo. À Beyoncé, acho que lhe falta mais do que apregoar isso para cumprir com a primeira parte. E quanto ao gostar de sexo, acho que está demasiado presa aos estereótipos que lhe venderam e que ajuda a vender. Não deve ser tão libertador como isso. Prefiro a Dunham, por exemplo, como é sabido. Mas isto é só uma opinião.
Despeço-me, que isto já vai longo.
Não devo voltar para respostas, desculpem.
Obrigada pela vossa atenção.
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[…] a comprar roupa, a pensar nisso… isto é “empoderamento”?! De quem? (Aqui, ou aqui, por […]