Humpf…

“(…) agora que a moda é as mamãs escreverem prosa muito pouco maternal para chocar a burguesia“, leio no estimado Ouriquense, esta manhã (ou esta manha), já não pela primeira vez, estou quase segura, mas poupo-me a procurar a antecedente. “Agora que a moda é as mamãs escreverem prosa muito pouco maternal para chocar a burguesia”?
Parece ser essa, também, a opinião dos media, que descobriram o fenómeno aqui há meses, dando-se conta de “movimentos” como o Club de las Malas Madres, casos pontuais, casos de sucesso, o hashtag #regrettingmotherhood ou a coexistência disso tudo. Mas o fenómeno não é assim tão novo, embora seja fruto de um conjunto de circunstâncias muito actuais, analisando a coisa num universo temporal um pouco mais lato.
Em 2000 eu sofria sozinha as contradições da maternidade. Em 2009, eu partilhava-as com o mundo e descobria livros (1, 2, 3, 4, etc) e blogues que me resgatavam à depressão, tanto como os comprimidos. Hoje em dia, muitos mais haveria, dos casos comuns aos patológicos, alguns com finais trágicos para as próprias mães. E o mundo tem vindo a descobrir verdades comuns. Não há novidades, há apenas mais visibilidade.

“P(h)oder”, do blogue Odeio Ser Mãe (https://odeiosermae.wordpress.com/)
Não deixa de ser curioso, numa época em que os bloggers mais apreciados, os twitters mais admirados, ou os cronistas mais aplaudidos, HOMENS, são aqueles que invariavelmente nos tentam chocar com a habilidade de ir contra a indignação do dia (nas redes sociais) ou de um cinismo bem manuseado, que o prezado blogger nos brinde com a citada observação, em jeito en passant, apenas para servir o objectivo maior de nos dar a conhecer as suas leituras preferidas.
Os homens tentam, ou simplesmente chocam, ou já nem chocam (pelos vistos).
As mulheres só hoje em dia, com esta última e (quiçá demasiado) heterogénea vaga de feminismo e, principalmente, com os meios de comunicação mais democratizados, as redes sociais com a facilidade de um share, e a internet no geral, como meio potenciador de comunicação, informação e associação, começam a poder falar do último dos tabus – a maternidade -, muitas vezes (ou quase todas) socorrendo-se do anonimato, o que revela o quão penosa pode ser ainda essa transparência, sendo elas, como tal, muitas vezes objectos de estudo, admiração, crítica e documentário.
Se aos homens sempre foi concedido serem umas bestas desprendidas e egoístas, às mulheres isso sempre foi quase impossível (porque alguém há-de ter que ficar com as crianças, mesmo quando elas vão à escola, alguém há-de ter que lá estar na saúde e na doença, no riso e no choro, na brincadeira e na chatice. Alguém terá que carregar todos os cuidados porque não se trata, apenas, de ter um cão (e eu já tive cão; 16 anos de cão).
(Vale muito a pena ver esta entrevista completa a Elisabeth Badinter – aquela descrição inicial do parque infantil enche-me as medidas – , assim como muitas outras coisas de, com, e sobre a Elisabeth Badinter.)
Sabendo nós o comum que ainda é, e sempre foi, a existência de pais que se mantêm casados mas sempre ausentes, se não fisicamente, pelo menos de resto, custa-me aceitar que quando as mulheres começam a fazer-se ouvir, o façam para “chocar a burguesia”.
Se isto é moda, moda é também embirrar com o feminismo que insiste em fazer-se ouvir (como se não houvesse motivo), para além do que é, já é, sempre foi, tradicional e conservador. Também já aqui tínhamos falado sobre isso, vagamente; anda tudo muito “cansado” de uns pintelhos de crónica feminina, reivindicações feministas e quotas, em séculos e séculos de prosa, poesia, pintura, escultura, cinema, fotografia, arte, cultura, sociedade, legislação e crime, patriarcal.
Sejam homens saturados ou mulheres modernas e liberais, muito emancipadas ainda que escalando diariamente sapatos de stripper, em nome do empowerment, injectanto grandes quantias de dinheiro em botox, lipos, unhas de gel e outras barbaridades em nome do capital erótico, debitando algo como “para quê querer ser igual aos homens, quando as mulheres são superiores” ou outros piropos quaisquer (é que os fundamentos são os mesmos), a coisa não deixa de me desiludir ou entristecer.
Eu própria evoluí alguma coisa, julgo eu, e me apercebi de alguns erros a que tendia, no desespero de ver a minha vida, e só a minha, esfrangalhada pela parentalidade/maternidade (aqui em 2009, depois de ter passado por isso em 2000).
E, diga-se de passagem que, isso só foi possível porque, por um lado, continuo incessantemente a ler e a informar-me (modéstia à parte, caso isso seja necessário) e porque, hélas!, me casei finalmente com um homem que põe em prática o feminismo (e tem vindo também ele a fazer uma aprendizagem – é a minha opinião).
(Diga-se, também, que eu me tornei cada vez mais exigente e não dou abébias :), já não tolero farpas no caminho, que mais não seja por ter os pés todos fodidos. “Estudos afirmam que“.)
Portanto, hoje em dia, julgo que esclarecidamente, eu não pretendo que a sociedade assuma as diferenças de género, justificadas pela biologia ou pela construção social, e as compense…
Eu quero que homens e mulheres (pessoas no geral), sendo diferentes, tenham direitos iguais, simplesmente porque somos todos pessoas. E que a parentalidade e a família, assim como o apoio aos mais velhos, que toca a grande parte das pessoas (que somos todos), mães ou pais, seja repartida por todos. E o peso que isso acarreta, o espaço mental que ocupa, o tempo, o desgaste físico e emocional que aporta, etc., etc., etc..
As compensações e apoios que o estado deve proporcionar, para que todos (porque também aos filho(a)s/pessoas) possam viver e sobreviver melhor, deve aplicar-se aos, digamos, “detentores do poder paternal”, mães ou pais, que os exerçam, independentemente do género e até, convenhamos, da questão da amamentação, que se tornou, subitamente, tão necessária que tudo e todos (os hospitais, por exemplo) se tornaram “amigos do bebé“, mas muitas vezes inimigos da mãe (sim, neste caso “da mãe”, por imposição biológica), ou amigos da onça. (Mas esse assunto é complexo e mereceria uma exposição muito mais extensa e detalhada, e não é agora o cerne da minha questão, é só mais um exemplo par ilustrar uma série de merdas…)
Bom, mas então, recapitulemos: chocar a burguesia, my ass.
Por outro lado, é de saudar que após tanta e variada chinfrineira feminazi, a indústria cinematográfica e televisiva (e indústrias criativas, no geral), nomeadamente a americana, que é a que mais nos invade e influencia este mudo ocidental que é o nosso, comece a dar ouvidos e resposta a essa demanda de “mais papeis femininos de qualidade”, mais realizadoras, um ponto de vista mais feminino, enfim. (Revirem os olhos de saturação e enjoo, mas é mesmo por oposição ao male gaze de SEMPRE.)
Se muitas vezes o ponto de vista ainda é masculino, no sentido em que a erotização dos corpos ou o imaginário erótico partem ainda daí, começam a surgir muito mais opções em cartaz com grandes actrizes, nem sempre tão jovens e/ou belas de acordo com o standard.
(E as revistas, e até a indústria discográfica, começam a libertar-se do photoshop, muitas vezes por exigência das próprias estrelas.)
Claro que tudo isto anda ainda muito baralhado, o oportunismo não perdoa, e o mundo ainda é muito o mesmo – demasiado o mesmo -, mas vamos tendo lufadas de ar fresco (e não estou a falar da Planta ou da Surf…)
Claro está, também, que estes produtos “inovadores” passam a ser considerados material feminino: “livros para mulheres” (veja-se o caso da Elena Ferrante), “filmes de gaja”/chick films… escusado será dizer que não; são filmes e livros de e para pessoas. Ou andámos (e andamos) todos a consumir exclusivamente produtos para homens (no cinema, na literatura, nas artes, na informação) durante este tempo todo? Ah.
(Também não vejo pertinência em falar da “imprensa feminina” ou da SIC Mulher, não.)
Em tempos, concluía um twitteiro (com alguma visibilidade) que as mulheres não se interessam tanto por política, por exemplo, porque os comentadores eram quase todos homens (e eu diria que muitas vezes são quase sempre os mesmos, para falar de política, música, literatura ou futebol) e que nem nos blogues se vê mulheres a discutir o assunto. Na altura estava eu à porta da escola de uma, entre levar outra não sei onde e ir fazer não sei o quê com outras (filhas), e a pensar se ele teria filhos e, se os tivesse, quem faria tudo isso enquanto ele abrilhanta o twitter; ou, sequer, se ele teria tido mãe e quem o teria cuidado e se isso viria por geração espontânea, e toda a energia e tempo que isso consome… (não é essa a História da Humanidade?).
Nada sendo este post nada de especial, e no meio do tempo que não tenho, não querendo escrever como a Agustina, e pegando ainda neste texto, não posso deixar de me interrogar sobre o brilhantismo de tanto escritor não profissional. É que esta caca levou-me horas a escrever, sem revisões ou erudição, por isso digam-me lá: o que descuram vocês, ecribas pais e mães? O trabalho ou a família? É que não, we can’t have it all.