Respostas e informação.

Os ânimos andam tão alterados com a história das vacinas, que eu, que tenho forte opinião sobre a matéria (pro-vacinas, absolutamente!), tenho evitado pronunciar-me.

Quero, no entanto, partilhar convosco este texto do David Marçal, que me parece simples e eficaz. Vou transcrevê-lo aqui, porque tenho medo que vocês não carreguem na hiperligação:

“A última pessoa que teve varíola foi um jovem somali de 23 anos chamado Ali Maow Maalin, no ano de 1977. A doença foi considerada erradicada pela Organização Mundial de Saúde há cerca de 40 anos. Foi a primeira doença para a qual houve uma vacina, ainda ano século XVIII.

A vacina contra a poliomielite foi desenvolvida em 1955. Nessa altura não passava pela cabeça de nenhum pai ou mãe não vacinar os seus filhos, se o pudesse fazer. A poliomielite é uma doença altamente infecciosa, causada por um vírus. Pode infectar o sistema nervoso central e provocar a paralisia total em apenas algumas horas. Uma em cada 200 pessoas infectadas fica com sequelas permanentes. Dessas, cinco a dez por cento morrem quando os músculos que lhes permitem respirar ficam imobilizados. Em 1988 a Organização Mundial de Saúde lançou uma campanha de vacinação para erradicar a poliomielite. Nesse ano houve no mundo 350 000 casos. No ano passado soube-se apenas de 37.

A difteria, o sarampo, a papeira, a rubéola são outras doenças que se transmitem de pessoa para pessoa. Nalguns países, como Portugal, deixaram praticamente de existir, graças às vacinas. E também estas podem ter complicações graves. O sarampo pode causar uma inflamação no cérebro (encefalite), que pode ser fatal. A papeira pode causar esterilidade. A rubéola pode ser muito perigosa para grávidas e respectivos bebés. São riscos quantificados e reais, face aos perigos inventados pelos militantes anti-vacinas. Não há nenhum tratamento médico que seja isento de riscos e não há nenhuma vacina que seja 100% eficaz. Mas história médica do século XX mostra bem os benefícios das vacinas.

Os movimentos anti-vacinas nascem, paradoxalmente, da segurança proporcionada pelas vacinas. Os perigos das doenças infecciosas afiguram-se pouco reais, abrindo espaço para a preocupação com perigos imaginários, acerca da segurança das vacinas. E não são uma coisa moderna, new-age. Em 1882 foi revogada em Zurique uma lei de vacinação obrigatória contra a varíola, com o argumento de que, pasme-se, nesse ano não tinha havido nenhum caso da doença na cidade. Com a revogação, as mortes por varíola voltaram. E é o que acontece também hoje em dia, quando a segurança proporcionada pelas vacinas faz crer que elas não são necessárias. Os recentes movimentos anti-vacinas tiveram um grande impulso numa fraude, feita pelo ex-médico e ex-investigador Andrew Wakefield, que publicou em 1998 um estudo na revista The Lancet, de acordo com o qual a vacina tríplice (contra o sarampo, papeira e rubéola) seria causa directa do autismo. Hoje sabe-se que Wakefield falsificou dados clínicos e recebeu 400 000 libras de um escritório de advogados que estava a processar os fabricantes de vacinas, a pedido de famílias de crianças autistas. Essa fraude é discutida detalhadamente no livro Pipocas com Telemóvel e Outras Histórias De Falsa Ciência, de que sou co-autor. Também há teorias mirabolantes acerca de um componente das vacinas que contem mercúrio, o timerosal, que supostamente causaria o autismo. A sua suposta relação com o autismo é uma fantasia completa, sem qualquer fundamento racional. Além de que, esse componente, que é um conservante, está hoje em desuso e muitos países excluíram as vacinas com timerosal dos seus planos de vacinação a partir de 2001.

A decisão de vacinar ou não vacinar não é individual. É uma responsabilidade colectiva. Como nenhuma vacina é 100% eficaz, uma criança vacinada pode apanhar uma doença evitável por vacinas. E pode até morrer. As pessoas não vacinadas põem em risco toda a população. É verdade que há mesmo pessoas que não se podem vacinar, porque são imunocomprometidas ou ainda não têm idade para serem vacinadas. A segurança dessas pessoas depende da imunidade de grupo, assegurada pelas elevadas taxas de vacinação.”

“Moda anti-vacinas é chorar de barriga cheia”, de David Marçal, no site da Geringonça.

Foi, no entanto, preciso meter o feminismo ao barulho, em jeito de graçola, para decidir deixar, mais uma vez, um comentário ao Ouriquense, que muito estimo.
Também o transcrevo aqui, porque o Eremita deve andar na horta e ainda não o autorizou:

“Querido Eremita,
Não fosse essa sua irremediável vontade de provocar e este seu post poderia ser tão bom como este, do David Marçal: http://geringonca.com/2017/04/19/moda-anti-vacinas-e-chorar-de-barriga-cheia/ . Digo isto no sentido em que a informação e o esclarecimento sobre a matéria, mais do que a opinião e o desdém (que também sinto em relação a estas pessoas que decidem não vacinar os filhos), têm talvez um efeito mais pragmático, principalmente num momento de ânimos inflamados.
Ou seja: o feminismo é para aqui chamado, porquê? Já nem falo da Macrobiótica, tendência pela qual não sinto simpatia nenhuma, ou pelo vegetarianismo, eu que sou, como sabe, fiel utilizadora dos meus caninos. Mas, sinceramente, se o texto não fosse seu, eu teria parado de o ler logo ali.
Parece-me até perigoso, no sentido em que apela à desinformação, à interpretação vulgarmente errada do termo, e mete tudo no mesmo saco, como se lutar pelos direitos humanos das mulheres fosse uma patetice e, neste caso, uma patetice potencialmente perigosa para a humanidade. Ou como se as desigualdades e os crimes contra as mulheres estivessem já erradicados, como provavelmente muitas pessoas anti-vacinas consideram estas doenças ao decidir não vacinar. Também aqui, o facto de talvez não o afectar directamente, a si e aos seus direitos, em que sempre esteve instalado, não quer dizer que não deva pensar nos restantes, na comunidade feminina, perto ou longe de si, e até nas suas próprias filhas.
Sei que aprecia essas pequenas irreverências, metidas en passant nas mensagens que pretende transmitir, mas talvez elas (as mensagens) passem melhor menos manchadas pelo estilo. A não ser que seja tão elitista que despreze os potenciais leitores que sintam o mesmo que eu em relação a este assunto. Nesse caso, olhe, que pena.
Saudações cordiais, saúde e anarquia,
Lia.”

O “saúde e anarquia” tem uma história, que talvez um dia conte. O resto também, mas não estou autorizada a revelar identidades.

Agora vou ver que imagem escolho para ilustrar o post na homepage. Ai, a minha vida.

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