Tempo de qualidade, my ass.

Eu estive mesmo para já não escrever este post (que andava de molho há algum tempo) porque entretanto encontrei um outro, e de uma psicóloga, que, de forma controlada (coisa que eu dificilmente conseguirei permanecer, versando este tema), calma e serena, expressa tudo aquilo que eu penso sobre o assunto.
Mais: pensei partilhar o link para esse post em tudo o que fosse plataforma “social” de que disponho, inclusive por email (de forma mais dirigida), mas depois tive receio que as pessoas não clicassem para ler. Assim sendo, respirei fundo e resolvi pelo menos abrir o apetite a quem ainda se dá ao trabalho de me ler.
E deixem-me dizer-vos que não faço a mais pálida ideia de quem é a Dra Claudia Morais (suspeito que seja a psicóloga acerca de quem vi “twittar” com escárnio, e suspeito porque, do alto do meu preconceito, nada naquela página pop me atrairia e julgo que não teria lido o texto se não me tivesse aparecido no google quando pesquisei por “tempo de qualidade”, para ver se descobria quem foi o idiota que se lembrou de aconselhar os pais a aplicar o conceito… a intenção até pode ter sido boa, mas o mau uso que se faz dele é que são outros quinhentos), não conheço o seu trabalho, o resto das suas opiniões, mas com esta concordo por completo. Assim, aqui fica o link, e quem quiser pode abandonar o meu barco já aqui.
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Este post é cheio de prólogos.
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A decisão de abordar o tema ficou reforçada hoje, quando partilhei este artigo que merece um post só por si. Mas eu até já o fiz, em tempos, e foi um post que se tornou quase viral, intitulado “o caralho” (num outro blog), mas que retirei do ar, a pedido, anos depois, até porque, embora concorde ainda com a generalidade das coisas que ali escrevo, já não optaria por aquela forma, e teria reticências nalgumas deduções. Sempre a aprender.
De forma muito sucinta, o que penso hoje em dia, é isto (que já escrevi no FB):
Talvez agora já possamos avançar para o verdadeiro tema deste post.
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Não, esperem, deixo já aqui, também, o epílogo, fora de sítio e tudo, porque não resisto a partilhar aquela que seria, idealmente, a minha reacção quando alguém me vem tentar vender a ideia do “tempo de qualidade”.
Adorava poder incorporar este vídeo aqui no post, mas não dá, ou não sei, e no youtube não me aparece (se alguém o encontrar, por favor, diga-me). Vejam, vejam, vejam! É a nossa querida Tavi Gevinson a ensinar ao Jimmy Fallon a fazer a cara que eu gostaria de fazer nestas situaçãoes.
Pronto. Adiante.
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Agora é que é.
Cada vez que me vêm falar de “tempo de qualidade”, eu penso “quem terá sido o imbecil que inventou esta?”. (Aqui, para tornar isto mais gráfico, introduzir smiley a revirar os olhos.)
Como disse lá em cima, a intenção até pode ter sido boa, mas o mau uso que se faz disto é que é mau, muito mau.
Os apregoadores do “tempo de qualidade” são normalmente aqueles que não têm tempo, ou melhor, não abdicam do seu tempo, do tempo que ocupam com outras coisas – trabalho, que seja – para o dedicar a outros.
(No texto que vos linkei, da psicóloga, o caso tanto podia aplicar-se a relacionamentos amorosos como a relações de parentalidade. Neste momento, só esta última situação é que me interessa abordar.)
Ora, poderão alguns argumentar, mas o trabalho é necessário também para alimentar e sustentar as criancinhas.
Pois é, mas nem só de dinheiro se alimentam as criancinhas e, em última instância, somos todos animaizinhos e não me consta que os mamíferos alimentem as crias e cuidem delas com o vil metal.
E aqui voltamos à questão da escolha (ver post do FB acima, ou aqui). Geralmente descompensada, esta possibilidade de escolha, é assumida por defeito por um dos progenitores, que assegura no trabalho o que sempre assegurou, deixando o outro limitado ao que vai sendo possível, entre ranhos, viroses, colos, mimos, idas e vindas, à escola, ao médico, à natação, banhos, jantares, etc. É que “ser pai, mãe, (…) implica “estar lá” quando é preciso – sempre que é preciso – e não apenas quando é possível.”
E, a pergunta para aqueles que defendem, porque leram ou ouviram algures, que o tempo de qualidade é que é bom, será: a quem entregariam a criança, se não existisse “o outro” para a enorme QUANTIDADE de tempo (e energia, e cabeça e concentração) necessária para cuidar dela?
É que o “tempo de qualidade” é muito bonito e, idealmente, todos deveríamos ter possibilidade de desfrutar dele.
Mas uma criança educa-se, cria-se, cuida-se, lava-se, alimenta-se, mima-se, ouve-se, numa gigantesca porção de tempo, condicionada por afazeres, enervamentos, impossibilidades, constrangimentos, frustrações e negação de impulsos egoístas.
E quem chega para, de vez em quando, quando lhe é possível, fazer só a festa, só pode nunca ter chegado a perceber o que é realmente ser pai ou mãe de alguém.
Faz-me lembrar aquelas cenas de filme americano: o filho de pais ausentes aguarda, no recital da escola, ansioso para saber se o pai ou a mãe aparecem… Por cá, muitas vezes é mais o seguinte: um dos progenitores preocupa-se com a concretização e viabilidade do recital da escola, pela criança; se esta não adoece, não falta aos ensaios; se tem o figurino e caracterização necessários; se está confiante, se quer fazer o recital; se sabe o texto; se chega a horas. Um dos progenitores assegura tudo isso, leva a criança umas horas mais cedo e aguarda, pacientemente, a montagem do espectáculo, o tempo (dificilmente qualificável de “de qualidade”) de espera. O outro, se chegar – e geralemte chega, porque a presença no recital é marcante e faz parte do “tempo de qualidade” que tem que se ter para dedicar à criança -, chega à hora, ou ligeiramente atrasado, para assistir ao espectáculo e assegurando que a criança o veja na multidão. Está ganho.
Enfim, a pessoas que em nada alteraram o seu modo de vida desde que geraram crianças – tarefa que a ser correctamente desempenhada produz alterações irreversíveis na vida dos intervenientes – e enchem a boca para dizer que lhes dedicam “tempo de qualidade”, apetece-me basicamente mandar foder. Mas agora sempre tenho um texto mais cordato para enviar.
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