Maria Capaz, o caralho – “meu nome é Zé Pequeno”.

Estive vai-não-vai para nem dizer nada, porque há aquela teoria que defende que entre, digamos, feministas, não deve haver ataques, devemos todas suportar-nos umas às outras e tentar chegar a bom porto. Sendo isto discutível, tanto como o próprio conceito de feminismo, mesmo quando tentamos afastá-lo da ditadura do perfeccionismo e aplaudir as “bad feminists”, movidas precisamente pelo mesmo princípio (e então não saímos daqui), dei-me conta que, além de não concordar com uma série de posturas apregoadas como feministas, no que ao presente caso se aplica, nem sequer encaro isto como um ataque, mas como uma desesperada forma de pedir que avancemos!

Ontem, uma gentil amiga, camarada, blogger, que eu, apesar de não seguir com a assiduidade que gostaria (e deveria), quando leio me dá sempre imenso prazer, precisamente porque não se perde com considerações estéticas, fotografias muito pensadas ou texto paginado, e manda logo foder essas merdas todas, perguntou-me se eu já tinha visto o Maria Capaz, porque tinha estranhado não ver lá o meu nome, e adicionou-me ao grupo “fechado”, no FB, relativo ao projecto.
Vi primeiro o site e, portanto, fiquei logo com os cabelos em pé. Mas foi, precisamente, o FB que me fez esperar antes de tecer comentários ou de abandonar o grupo (coisa de que por esta altura alguém já pode ter tratado de fazer por mim, ao ler estas linhas). É que, no meio das estrelas pop da rádio, tv, disco, e da cassete pirata, havia um punhado de gente muito capaz (e, sim, mulheres), em cujo discurso me revejo.
Acontece que, não obstante estar à espera que no meio de tanta parvoeira possa ainda saltar alguma coisa de útil, porque há ali gente interessada em passar uma mensagem assertiva e importante, penso que se devia, logo à partida, rever conceitos.

Comece-se logo pelo nome. É bom, por um lado (pelo trocadilho com “maria-rapaz”) e mau por outro: porque, desde logo, assume a atitude paternalista do projecto, com essa necessidade de afirmação do “capaz”, como se isso fosse discutível, questionável… Claro que somos capazes, porra! Olha que gaita!
A coisa ganha logo uns contornos de “protecção dos desfavorecidos”, como se fôssemos, pelo género, pessoas com necessidades especiais, uma minoria (embora estejamos pouco representadas nas esferas de poder e cargos decisivos, é sabido)… e, de repente, parece uma campanha humanitária, de solidariedade social, quando não é.

Posto isto, vamos ao vídeo, que anuncia o que vamos ter, de conteúdos:

No vídeo de apresentação que aqui partilho, apanhamos logo com a Catarina Furtado a dizer que “adora as mulheres” e mais uma série de baboseiras (que “a mulher é feita de uma massa que é diferente da do homem” e que “tem constatado que não há nenhum ser, à face da terra, mais forte que a mulher”) que temo que representem 90% das coisas que serão ditas por ali. E tenho pena, porque estou certa que também lá está muita gente com melhores coisas para dizer, mas cuja mensagem se esborratará no meio de tanta purpurina.
Ora, o “adorar as mulheres”, essa amálgama de gente indefinida, pelos vistos identificável por um colectivo, é coisa que se ouve muito nos discursos misóginos, com cobertura delico-doce, de quase-poetas desencantados, admirados pela sensibilidade, assim como nos blogues de mamas que, não sei quê, celebram “as mulheres”, batendo punhetas a celebrar a mulher alheia. Desses grandes largadores de baba e verborreia, fez o Bruno V. Amaral um bom retrato (que já em tempos partilhei).

Portanto, e para resumir, o melhor que fazíamos era deixarmo-nos de merdas.
Que pode realmente acrescentar uma plataforma cheia de gente que se maquilha até às orelhas para provar “que pode”? Que caralho acrescenta esta malta toda que, enquanto, e acredito que SINCERAMENTE, cheia de boas intenções se sustém em cima de uns saltos vertiginosos, e tem necessidade de encher a página do grupo do FB de comentários “ai que lindas!”, e outras manifestações de apreço estético, como legendar as fotografias com “Marias Capazes e gatas”?

Enquanto isto, continuamos a perder horas e dinheiro – logo poder – a arrancar pêlos, pintar cabelos (porque continuamos a exclamar “que nojo” quando vemos partilhadas imagens de axilas por depilar), ou com o que vamos vestir, enquanto continuamos a tentar o pleno que, desculpem mas há anos que sei, não se pode atingir. Com sorte, uma excelente carreira ou uma excelente maternidade, ou outra porra qualquer.

Há muito para fazer e exigir, mas assim não, não somos capazes.

DestaqueMariaCapaz

Comments
16 Responses to “Maria Capaz, o caralho – “meu nome é Zé Pequeno”.”
  1. D.S. diz:

    Pois. A primeira coisa que pensei quando vi o website foi que as mulheres que escrevem ali são todas muito iguais. Mesma aura de figura pública ou semi-pública, mulheres com vidas confortáveis e folgadas, o ideal de classe média atual. Pareceu-me uma coisa um bocado Time Out, com secção de restaurantes (?) e tudo. Ainda assim vou dar uma chance ao projeto e vou acompanhar com interesse o desenrolar da coisa. Porque apesar de tudo não é todos os dias que um projeto autointitulado feminista se apresenta na esfera pública portuguesa. Tenho a secreta esperança que com este rol de figuras públicas a intitularem-se de feministas a palavra perca o estigma que tem. Já era um bom começo.

    Entretanto há outro projeto feminista, este mais radical e menos apologético, que surgiu agora com a primeira newsletter: o Clítoris da Razão (www.oclitorisdarazao.com). Este sem o glamour do Maria Capaz mas mais fiel à causa.

  2. Luna diz:

    A entrevista da Furtado é toda um eye roll… anda aqui uma gaja a tentar lutar pela igualdade e não sei quê, para depois me virem falar da diferença e da força (só falta a piedade e abnegação Mariana para compor o ramalhete).

    Anyhoo, posso casar contigo? :)

  3. Izanami diz:

    Adorei o texto [o daqui] e o texto do Amaral (que não conhecia).

  4. são joão diz:

    O feminismo está muito trendy e por isso é um “conceito”, mais do que nunca, sujeito à manipulação e mercantilização. A origem de certo tipo de “projectos” nem sempre é a mais transparente. Pelo que vi até agora parece-me a versão digital de uma revista “feminina”. Esperava mais. O texto do único homem, o da padaria portuguesa, o que largou o graveto em troca de publicidade é confrangedor. Fala de mulheres, estreias, penteados, vestidos de noiva e roupeiros. Subiu me um bocadinho do jantar à boca.

  5. De boas intenções está o inferno cheio.
    Mas concordo com a DS. Vou esperar para ver e cruzar os dedos para que tenha a virtude de, pelo menos, fazer com que a palavra feminismo não seja proscrita.

  6. mspc2014 diz:

    Reblogged this on BOM DIA! Com torradas. and commented:
    Outras assinaturas!
    Já sou fã!
    E quem não conhece este novo projecto pode tirar as suas próprias conclusões.
    Até podia ficar por aqui… mas, que se lixe: na primeira impressão, O Maria Capaz, entusiasmou-me, depois de alguns cliques ficou a sensação que “estas mulheres da sociedade portuguesa” não precisariam de mais tanto protagonismo… É que a maioria, grande parte, quase todas as mulheres da sociedade portuguesa não acordam de manhã com todo o tempo do mundo para se maquilharem, marcar umas entrevistas, fazer umas sessões fotográficas e nisto tudo praguejar que juntas vão mudar o mundo…
    A realidade é tão outra… São exemplos verdadeiros, sinceros, francos das imensas (somos mais que eles, sabiam!) mulheres da sociedade portuguesa que necessitamos. E não numa “guerra de sexos” desmedida e sem razão, mas que tal a Maria, a Josefina, a Georgete e outras que tais, que ninguém conhece partilhassem os seus próprios testemunhos, opiniões, conclusões. Temos que ver sempre as mesmas caras, sempre as mesmas conversas de “coitadinhas” que somos…
    Defendo a igualdade de sexos, a igualdade de oportunidades… Percebo tudo… Mas há maneiras e maneiras de fazer acontecer… Estão longe! Acho que vou ficar por aqui…

    O fundamental é, sermos nós próprias, acreditar e ir à luta! Capazes somos sempre!!!

  7. diabo diz:

    PERDI MEU TEMPO A VER E ACHO ta tudo lixado como dizia manha mae á 30 anos atras :( e nao sou um ronaldo de milhoes pra ter mae coragem mas criou 4 filhos e agora num lar com alzheimer e nem 62 tem o que fez nota. AMO TE MAE porque ainda o que nos ensinas te a tempo e catarinas que tenham filhos como eu a educaçao faz nos a treta é so isso treta nao se esqueçam do importante?!?!?!????

  8. Ana Matos Pires diz:

    Psssssst os gajos tb pintam o cabelo e tiram o pêlos.

  9. Cláudia Teixeira diz:

    Muito bom texto. no fundo, por lá se lê que a albuquerque gosta de dançar e de chuva!! uau!

  10. Cláudia Teixeira diz:

    pseudo-femninismo, mais do mesmo. moda fashion atrizes, imagen, pseudo-gordas, clichés, lugares comuns e até manipulação politica….há de tudo no pseudo-feminismo. tudo menos mulheres reais e problemas reais, denota-se até a velha arma bacoca que é a luta contra os homens. onde está o feminismo genuíno aquele sem pitada de coqueteria simulada?

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  1. […] Pois é. Só aguentei 10 segundos do video  até ao plano da Catarina Furtado com ar dramático a dizer que tem constatado que não há nenhum ser, à face da terra, mais forte que a mulher (acho que é exagero, então e aqueles elefantes que carregam troncos na índia?) Depois de me rir um pouco vi o resto. Realmente, a Catarina Furtado destoa muito daquilo, mas se a escolheram logo para abrir o video, então que se lixe. Um dos principais obstáculos à emancipação de uma minoria de mulheres reside na maioria de mulheres que é simplesmente bronca, como sucede com os homens e os elefantes na índia. A questão é comum a todas as causas e todas as espécies. Nas poucas ocasiões em que me tentei misturar com uma massa de seres pensantes a propósito de uma causa, saí de lá sempre desiludo, quando não enojado e segue-se um período de reflexão em que eu penso em onde errei e como fui cair naquilo, como me misturei com aquelas bestas. […]

  2. […] coisa de “adorar as mulheres“, comum aos mais variados babosos, do Pedro Mexia à Catarina Furtado. A Mulher, essa massa acéfala, amálgama indiferenciável, apesar da diversidade geográfica, […]

  3. […] qualquer), portanto, sim, as feministas podem gostar de moda. Mas, sem querer realmente voltar à discussão do site Maria Capaz, e mencionando-o porque a Joana B. também escreve para lá, julgo que a Rita Dantas já disse o […]



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